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Maurício e o Marsupial

Atualizado: 15 de fev. de 2021

Ano de 1603. Andando pelas matas, na Foz do rio Jaguaribe, eram três os homens que seguiam em direção ao Norte, rumo a aldeia maior. Mais a adiante, a umas duas léguas, estava a Serra majestosamente azulada pela neblina que caia. Ouviu-se um silvo alto:

- Espera!…

- Espera!….

O jesuíta e os outros dois guias pararam em sinal de alerta. Era preciso evitar o contato com os Tapuias, uma ameaça a vida dos portugueses. Daqueles ermos, Portugal ainda não tinha tomado posse, e os franceses e corsários andavam livremente colhendo os paus contrabandeados.

Maurício fora designado evangelizador dos índios que habitavam aquela região e seguia em missão religiosa e de posse oficial das terras daquelas bandas. Os guias eram colonos portugueses amancebados com índias semi escravas que viviam para os lados do Maranhão, já a algumas décadas. Cristãos-novos, viviam uma vida clandestina. Na reclusão de seus lares seguiam os ritos judeus e na sociedade eram devotados e ardorosos cristãos!

Maurício era um português de boa cepa, como se dizia. Estudou em Coimbra, era um jovem frade de 25 anos e que pela primeira vez punha os pés em terras brasileiras, as TERRAS BRASILIS!

Maravilhado com as cores e os sabores da Mata, ele seguia a Missão a que fora designado. Morreu, porém, na desdita de um ataque onde os Tapuias racharam a sua cabeça com uma borduna.

Ano 2010. Maurício era um jovem de 25 anos. Alto, corpulento, formado em ecologia, fazia Mestrado em agroecologia na Universidade Federal de Salvador. Fluente em inglês e francês tinha por hobbie mostrar aos turistas as exuberâncias de nossas matas. Assim aliava as duas ótimas práticas: o turismo e o prazer das caminhadas e descobertas nas matas fechadas. Andava sempre acompanhado de uma bússola e de binóculos.

Naquele dia o grupo era composto de seis pessoas, dois casais de franceses e um biólogo inglês, e mais Maurício.

Caminhavam pela floresta, com muito cuidado, todos os sentidos em alerta...Silvos e cantos por todos os lados! O biólogo veio em pesquisa de um marsupial, o CUICA-D’ÁGUA, que naquelas paragens tropicais era animal quase extinto. Animal de hábitos noturnos se assemelhava muito a uma lontra. Gostava de rios e córregos.

Gravetos e cipós obstruíam os caminhos, mas os desbravadores tinham as suas estratégias para superar as dificuldades. A aventura dera início as seis da manhã. Na floresta o dia parecia noite. A luz do sol era filtrada pela espessura das copas das árvores.

Caminhavam, caminham sem descuidar dos sentidos. Olhos e ouvidos atentos aos detalhes, tudo era um fervilhante e maravilhoso mundo, que ia do micro ao macro. As formigas em trilhas que corriam em direção a montes de formigueiros. Árvores gigantes que seguiam para o alto em busca dos raios solares. Miríades de pássaros de múltiplas cores e cantos...

Os turistas fotografavam e gravavam as formas, os tons e os sons de toda aquela biodiversidade! Planejava-se passar a noite na floresta. O combinado com o biólogo era que a noite seria uma boa oportunidade de observar o marsupial. Todos concordaram e fizeram acampamento à beira de um córrego. Zás! Lá estava ele, se mostrando, em noite fechada, aos flashes e disparos das máquinas de filmar.

Maurício Albatroz, esse era o seu nome, se comportava em sua natural tranquilidade resultado de muitos anos de experiências, assistia os turistas em suas peripécias pela mata, sem descuidar dos protocolos de segurança que um bom guia deve observar.

Muitos perguntam o que há de mais encantador numa floresta, a resposta para essa questão depende de qual material cada pessoa traz na alma para decifrar a beleza verdejante de uma mata fechada, quase intocada.

Para mim, este narrador que vos fala, o que é mais encantador numa floresta são os sons e os murmúrios dos Encantados que habitam os matos gerais desse BRASIL. Mas o que me entristece e esvazia a alma é ter consciência que por esses matos gerais correram muito sangue silvícola. A História do Brasil é a história de muitos índios massacrados. O Fato é QUE JAMAIS ESCONDI O MAURÍCIO ALBATROZ. Ele é o elemento civilizador no contexto antigo e no contexto atual, ele é a promessa e o sonho. Podemos nos chamar civilizados com a nossa história manchada de sangue? Dos tempos antigos, ao nosso tempo, os ditos modernos, perpassa o mesmo enredo com nuances e contextos pouco diferenciados.


Autor : Álvaro Eduardo Guimarães Salgado

Idade : 62 anos


data : 11 de julho de 2020

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